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  • Foto do escritorLuiz Carlos Hauly

O papa e a pomba

LUIZ CARLOS HAULY


O internamento do papa João Paulo II, decidido como “precaução” pelo Vaticano após o pontífice apresentar dificuldades respiratórias provocadas por uma gripe forte, nos induz a uma reflexão.


Ninguém pretende seja a última em vida, mas a imagem do papa João Paulo II na janela de seu escritório no Vaticano no domingo, 30 de janeiro, dois dias antes de seu internamento, é uma foto histórica e simbólica. Ela retrata a maior autoridade espiritual do mundo, que fez de seu ofício um dos mais vigorosos instrumentos de paz e justiça social; uma pomba branca (precisa evocar seu simbolismo?) que teima em ficar a seu lado; pomba solta por um grupo de crianças (crianças, logo elas!).


João Paulo II já enfrentou momentos ainda mais delicados do que esse, sendo o principal deles em 1981, quando um extremista turco o baleou na Praça de São Pedro, e superou todos, contrariando a opinião de muitos especialistas. Sua saúde, no entanto, é muito frágil e se deteriora rapidamente.


Associo-me aos milhões que rezam por seu pronto restabelecimento, mas, também como milhões de pessoas, acredito que João Paulo II já tenha cumprido há muito tempo e de forma brilhante sua missão.


Missão que não se limitou aos deveres de pastor supremo da Igreja Católica, instituição que ele revigorou. A missão de João Paulo II se estendeu a todos os cantos do mundo, seja por meio de suas visitas – e foram 130 viagens ao exterior - acompanhadas de mensagens serenas porém incisivas, seja por uma ação firme e incansável de questionamentos, indicações do rumo e providências práticas, sobretudo para atenuar as injustiças sociais e os conflitos de ordem política ou étnica.


No campo político, a ação de João Paulo II é memorável. Sua maior realização é a utilização da “igreja do silêncio”, como eram chamados os católicos que viviam nos países do Leste Europeu, onde a prática religiosa era proibida, no solapamento do regime comunista que culminou com a dissolução da União Soviética.


Na condição de polonês que viveu sob a ocupação nazista e depois sob o jugo comunista, João Paulo II teve a autoridade, o conhecimento, a força e a habilidade – além do carisma e do respeito que incute nos povos do Leste Europeu, católicos ou não - para orientar e conduzir esse processo.


A “Ostpolitik”, como ficou conhecida a diplomacia do Vaticano em relação ao Leste Europeu, foi e certamente ainda será objeto de muitos estudos, e isto é compreensível devido à dimensão de suas consequências. Na América Latina – e isto, também compreensivelmente, não tem sido tão explorado quanto o primeiro tema -, o papa agiu diretamente no fim de dois regimes ditatoriais. Um ano depois de sua visita ao Chile, em 1987, Pinochet foi retirado do poder por meio de um plebiscito e, em 1989, Alfredo Stroessner foi deposto no Paraguai. João Paulo II havia visitado aquele país no ano anterior. No Brasil, quando aqui esteve pela primeira vez vivíamos em pleno regime militar, e sua mensagem foi categórica em defesa da liberdade, o que contribuiu decisivamente para a abertura política.


Uma enciclopédia não esgotaria a biografia de João Paulo II, um dos papas mais longevos e ativos, o que serve de consolo para os limites de espaço e pobreza de argumentos deste artigo. Artigo que finalizo evocando a imagem da pomba branca solta pelas crianças e que teimava em circular em torno do papa no último domingo de janeiro. O encontro dos três símbolos que deveriam reger o mundo: a justiça, a pureza e a paz.

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