Luiz Carlos Hauly
O desafio
LUIZ CARLOS HAULY
É descomunal, porém divino, o desafio que aguarda o próximo Papa, que terá de coabitar durante todo o seu pontificado, porém mais intensamente em seu início, com o legado e a figura de seu antecessor, João Paulo 2o. Figura que se impôs como modelo de conduta, carisma, abnegação e religiosidade, mesclado com simplicidade e rigor doutrinário e que teve a ousadia de pedir perdão pelos erros cometidos pela instituição em relação à inquisição, aos judeus, aos ortodoxos, aos islâmicos, aos índios e aos africanos, povo que foi escravizado com a benção da Igreja no período colonial.
Os conclaves utilizam o legado de um papa como parâmetro para a escolha do próximo, não necessariamente para ser seguido, mas – e isto ocorre com mais frequência – para ser alterado. Não em sua essência, mas em sua expressão; isto é, na forma como a Igreja Católica se apresenta junto aos seguidores, que formam um contingente de 1,2 bilhão em todo o mundo.
João Paulo 2o. foi sepultado sob forte emoção e reconhecimento de sua força e autoridades morais. A multidão – a maior já registrada na história – que acorreu a Roma para seu funeral se despediu dele exortando sua santidade e exigindo sua imediata canonização. Essa manifestação, acompanhada e reverenciada em todo o mundo, aumenta ainda mais a já enorme responsabilidade dos cardeais que elegerão seu sucessor.
O legado de João Paulo 2o. é um dos mais profícuos da Igreja Católica, tanto pelos 26 anos de duração de seu pontificado quanto pela intensidade e grandeza de seus atos. João Paulo 2o. foi o mais popular de todos os papas, e neste sentido, como crê a Igreja, o mais reconhecido de todos os sucessores do apóstolo Pedro. Ele soube utilizar sua autoridade religiosa como um eficiente instrumento de exortação à paz, ao respeito aos direitos humanos, à dignidade do ser humano, independentemente de seu credo, cor ou ideologia. João Paulo 2o. foi um líder mundial incontestável, e a presença de mais de 200 delegações estrangeiras em seu sepultamento é testemunha eloqüente disso.
Manter a linha doutrinária e apostólica de João Paulo 2o, revolucioná-la ou encontrar um meio termo entre as duas hipóteses? Eis o grande dilema dos cardeais na elaboração do perfil do novo papa e, como católico estou convencido disso, a ação do Espírito Santo será imprescindível para iluminá-los.
Que os cardeais se decidam por um papa inovador em questões doutrinárias é pretender demais, uma vez que o colegiado é formado em sua maioria por prelados conservadores, que, no entanto, poderão optar por alguém que introduza alterações prudentes na visão da Igreja em relação ao mundo globalizado. E, sobretudo, alguém que seja capaz de reordenar a própria dimensão do pontificado de acordo com o Concílio Vaticano 2o., que postulou pela colegialidade das decisões. Isto é, que a autoridade papal se expresse não de forma autoritária mas seja compartilhada por cardeais e bispos.
No terreno material, e político por extensão, não se vislumbra que a Igreja possa optar por limitar a atuação do pontífice. Pelo contrário, com base na ação de João Paulo 2o. – que, entre outras coisas, agiu decisivamente para a dissolução dos regimes comunistas - o sucessor de João Paulo 2o. terá a missão de ampliar a influência da Igreja, esperando, com isso, levar o sopro benfazejo de sua ação pastoral a povos e nações que necessitam dela para seu progresso espiritual e material.
Assim, se as condições políticas que levaram à eleição de João Paulo 2o. recomendavam uma intervenção – silenciosa, porém decisiva –nos países escravizados do Leste Europeu, este momento recomenda mais atenção da Igreja a povos e nações que passam por profundas transformações ou delas dependem para vencer o marasmo secular a que estão submetidos. América Latina, África e Ásia são, portanto, os três continentes sobre os quais a Igreja precisa ajustar seu foco.
LUIZ CARLOS HAULY (PSDB-PR) é deputado federal