Luiz Carlos Hauly
A pobreza ecoa em Davos
LUIZ CARLOS HAULY
Os dramáticos efeitos da pobreza mundial estão ecoando nas íngremes encostas dos Alpes suíços, onde, em Davos, reúnem-se anualmente há 14 anos governantes dos países ricos e proprietários ou administradores das empresas transnacionais. O Fórum Econômico Mundial, criado para analisar o desempenho da economia global, tem se destacado por belos discursos elogiosos ao capitalismo e, por isso, ensejou há cinco anos a criação de outro evento similar, o Fórum Social Mundial, surgido no Brasil, que tem procurado refletir, mas sem a objetividade e eficácias desejadas, os anseios por um mundo mais humano.
Pois bem, enquanto o Fórum Social se debate entre mil correntes divergentes, declarações de toda ordem e nenhum efeito prático, o encontro de Davos está se curvando à necessidade, para a qual a Organização das Nações Unidas tem chamado e atenção nos últimos anos, de uma reorientação radical da política econômica global, que, em síntese, e num primeiro estágio, se resume a um investimento maciço dos países ricos em programas sociais dos países pobres.
A abertura do encontro deste ano foi dominada pela questão da pobreza, tema escolhido pela maioria dos participantes como o “problema número 1” do mundo. Este foi o resultado de uma pesquisa que ouviu 700 participantes, 64,4% deles indicando a pobreza como problema prioritário e 54,9%, a globalização eqüitativa, isto é, a possibilidade de todos os países – ricos e pobres – participarem em condições iguais da expansão econômica ensejada pela globalização.
Chefes de Estado de nações ricas, como a França e a Grã-Bretanha – Jacques Chirac e Tony Blair, respectivamente – exortaram os participantes do Fórum Mundial a encontrarem mecanismos para ajudar, e com a máxima urgência possível, os países pobres, citando a África com o pedaço do globo que requer ajuda imediata – e generosa. Na África, além da pobreza crônica, a Aids ceifa cerca de dois milhões de vidas todos os anos.
O homem mais rico do mundo, Bill Gates, dono da Microsoft, somou-se às vozes indignadas, afirmando que o abandono do continente africano é “o maior escândalo da nossa época”. Segundo ele, os países industrializados deveriam destinar mais recursos para que os africanos pudessem comprar remédios, especialmente contra os efeitos do HIV, que vitima número cada vez maior de crianças. “Milhões de crianças que morrem na África não deveriam morrer”, criticou Bill Gates, que preside uma fundação que envia US$ 750 milhões todo ano para os africanos.
A Conferência do Milênio, promovida pelas Nações Unidas há cinco anos e da qual resultou um ambicioso – e pioneiro – programa mundial de erradicação da pobreza está longe de atingir as metas propostas. Uma delas, a principal, era reduzir pela metade até 20015 o bilhão de pessoas que se estima ameaçadas de morte devido à fome. Para isso, as nações industrializadas deveriam investir 0,5% do Produto Interno Bruto em programas sociais nas nações pobres. Os signatários da Conferência do Milênio não cumpriram o acordo, pelo menos até agora.
Transformar as intenções em fatos é o grande desafio do momento. As preocupações das Nações Unidas em relação ao drama dos países pobres têm merecido manifestações de solidariedade por parte dos países ricos, mas a prática, infelizmente, não tem correspondido às declarações de boas intenções.
O Fórum Econômico Mundial não tem poder decisório, é apenas um evento deliberativo, porém se a maioria de seus participantes coloca a pobreza como o problema mundial que precisa ser combatido já e em larga escala, surge, pelo menos, uma luz no fim do túnel. Pois os homens mais ricos e poderosos do mundo estão, finalmente, se curvando à triste e trágica realidade: a pobreza e suas consequências – fome, doenças, mortes, migração e, por que não?, terrorismo – são uma grave ameaça ao poder e à riqueza que eles acumularam.
LUIZ CARLOS HAULY (PSDB-PR) é membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados
* Publicado em O Diário de Maringá em 02/02/2005